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Medo e insegurança marcam mais um período de chuvas no Taquaral

Riscos de novos deslizamentos e desocupações, além da ausência  de um plano do poder público para os moradores, ainda é a realidade de quem resiste às chuvas no bairro


Por Júlia Péret, Wanessa Sousa e Maria Clara Soares



Desde 2022, a rua prefeito João Goulart está com uma rachadura extensa e profunda | Foto: Maria Clara Soares

#PraTodosVerem: A imagem mostra uma rachadura extensa em uma rua asfaltada. Na lateral direita, há vegetação ocupando o espaço de parte da calçada. Há uma cerca de arame e também uma placa de sinalização de trânsito referente à lombada. Ao fundo, árvores e casas são visíveis. 


Em janeiro de 2022, cerca de 80 famílias foram desalojadas de suas casas no Taquaral, bairro localizado nos arredores de Ouro Preto. Isso porque, há mais de 10 anos, essa área sofre com a instabilidade do solo, acentuada pelo alto volume de chuvas que ocorrem de dezembro a fevereiro. Entre os atingidos, homens, mulheres, crianças e idosos sentem a dor de ter que deixar o sonho da casa própria para trás e o medo constante de morar em um lugar inseguro. 


E não é a primeira vez que isso acontece: em 2012, muitos desses moradores tiveram que deixar suas casas por um período aproximado de oito meses, devido ao risco iminente de desmoronamento. Dez anos depois, esse infortúnio se repetiu pela mesma razão, mas agora sem perspectiva de retorno às moradias. 


No dia 9 de janeiro de 2022, Wagner José Siqueira, 55, nascido e criado no bairro, ouviu, apavorado, a voz dos vizinhos: “Vamos embora, tá caindo tudo”. Foi o que o atual motorista de aplicativo relatou ter escutado naquela manhã. Depois, ele e sua esposa, Roberta Fonseca Silva, 45, saíram às pressas de casa, tentando levar a maior parte de seus pertences. 

“Perdi muita coisa de móveis e eletrodomésticos, que foram retirados debaixo de chuva e de qualquer jeito, minha televisão e a máquina de lavar, por exemplo, queimou tudo”, relembra a costureira sobre os inúmeros prejuízos.

Além disso, até conseguirem alugar outra moradia - com a ajuda de custo de R$700 disponibilizados pela prefeitura -, tiveram que ficar revezando por 20 dias a estadia em casas de parentes.


Wagner e Roberta no terraço de sua casa, que eles tratavam como “refúgio” para descanso e espairecimento. O casal tinha planos de transformar o espaço em uma área de churrasco | Foto: Maria Clara Soares

#PraTodosVerem: Na imagem, um homem e uma mulher aparecem sentados, na área interna de uma casa. Ao fundo, é possível perceber a estrutura do local, que não pôde ser finalizada, há paredes ainda sem pintura, na cor cinza do acabamento. O corte é da cintura para cima. O homem usa camiseta verde escuro, enquanto a mulher está com um macacão estampado. Nenhum dos dois está sorrindo.


Em situação semelhante à do casal, grande parte dos moradores não teve opção a não ser ir para casas de familiares ou abrigos organizados pela prefeitura em escolas públicas do município. Os outros moradores que conseguiram alugar uma residência de imediato, precisaram utilizar de seus próprios recursos financeiros, até que a prefeitura pudesse chegar a uma definição sobre o aluguel social e ressarcir o valor pago. Além disso, muitos foram para bairros distantes, que alteraram completamente a rotina da vida que costumavam levar. 


Roberta e Wagner, por exemplo, devido à mudança de residência, sofreram os impactos geográficos no próprio bolso. Wagner, que trabalhava com instalação de pontos de sky, perdeu clientes que não sabiam como entrar em contato com ele a não ser por sua antiga moradia. Já Roberta, que trabalhava - e trabalha até os dias atuais - como costureira, sofreu perdas em relação aos clientes e à produtividade. Até encontrar uma moradia adequada, não dispunha de um espaço para guardar suas máquinas e, como consequência, não conseguia pegar grandes encomendas de serviço. 


Com o intuito de pressionar o poder público por soluções, no dia 28 de fevereiro de 2022, uma parte dos moradores desabrigados, em conjunto com representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), criaram um acampamento em Saramenha, na terra da antiga empresa Novelis. Na época, o local recebeu o nome de “Novo Taquaral”, que simbolizava a necessidade de obter um novo terreno para os moradores do bairro. De acordo com Natália Castro, 36, uma das coordenadoras do MTST na cidade, o intuito era permanecer na ocupação até que as demandas da população fossem atendidas. Parte das famílias permaneceram no local por cerca de seis meses, enquanto outras, saíram quando conseguiram ingressar no aluguel social.


Embora nem todas as reivindicações tenham sido contempladas até hoje, não há mais moradores do Taquaral nesta ocupação, que ainda existe, mas agora, com outras pessoas no local. Segundo Pedro Moreira, 32, gerente de habitação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Ouro Preto, os moradores receberam primeiro um subsídio emergencial . Em seguida, cada caso foi analisado separadamente, observando quais pessoas teriam direito a auxílio moradia e iriam para o aluguel social. 


Após análises, a prefeitura concedeu, em 2022, o valor de R$500, em aluguel social, por quatro meses, além de 5 parcelas, no valor de R$600, em cartão alimentação. Também foi estabelecido que, depois deste período inicial, o subsídio destinado aos moradores desabrigados aumentaria de R$500 para $700,00. Até o momento, a maior parte das famílias retiradas do Taquaral ainda recebem o valor, mas apontam que não é suficiente para pagar por um lugar seguro.


“Temos que completar 1100 reais para alugar o apartamento que moramos, que é 1600 reais, e um espaço de 500 reais para minhas máquinas, porque é impossível achar um lugar minimamente habitável com apenas os 700 reais de auxílio que a prefeitura nos fornece.”, relata Roberta, após se deparar com os altos custos das moradias de Ouro Preto. 

Terreno Inabitável


Sobre o porquê do terreno do Taquaral ser tão afetado, Charles Murta, 51, engenheiro geólogo da defesa civil - um dos órgãos responsáveis pela retirada imediata dos moradores -, explica que, durante o ciclo do ouro, a serra de Ouro Preto foi escavada à procura da rocha Itabirito, um minério de ferro que possui veios onde se concentra o ouro. Nessa exploração, para chegar até os veios, era necessário retirar uma grande quantidade de material. Esses rejeitos eram levados para regiões como a do Taquaral. Com isso, os sedimentos fragmentados do minério foram se consolidando no local, de modo a formar, com o passar do tempo, uma falsa camada sólida, pois ali não tem a resistência de uma rocha natural. 


Com a expansão da cidade, a população começou a ocupar esses espaços e a construir casas nos territórios em que há os rejeitos de minério e uma falsa sensação de estabilidade, uma vez que, por baixo, aquela estrutura está solta. Esse fato faz com que o Taquaral esteja sobre região conhecida como área de rastejo, em que o solo se movimenta ao longo do tempo por conta dos rejeitos fragmentados. Com as chuvas intensas, esse processo também é intensificado, provocando o encharque do solo e fazendo com que ele saia do estado sólido e passe para o estado plástico, resultando nos deslizamentos. 


“Ouro Preto é uma das cidades mais perigosas do Brasil em termos de risco geo hidrológico. Ou  seja, o risco aumenta quando começa a chover e favorece os deslizamentos, o rolamento de blocos e todos os movimentos de massa. A  chuva de 2022 foi absurda, em 11 dias choveu o que era esperado para quase 200 dias, por isso a área do Taquaral se movimentou”, afirma o profissional.

Charles explica ainda como ocorrem as desapropriações. Nos casos em que são necessários estudos para saber a magnitude do risco, é importante remover o maior número de pessoas por precaução. Por isso, ele disse ter orientado sua equipe para, sob qualquer sombra de dúvida de segurança, remover a família. “A vida não se negocia, é melhor pecar pelo excesso do que o contrário. Por isso, em um primeiro momento, retiramos 80 famílias do Taquaral. Mas, depois, com os devidos estudos feitos, foram constatadas cerca de 32 famílias em risco iminente, e as outras puderam voltar para suas casas.”, diz Charles.


Ainda segundo o geólogo, no processo de remoção, é necessário que se analise as patologias estruturais, as trincas, a condição da estrutura da casa e assim por diante. Em geral, é observado o grau de fragilidade da residência e do terreno.


A Defesa Civil de Ouro Preto, por meio do aplicativo “Defesa Civil de Ouro Preto”, disponível gratuitamente para android , indica as áreas de risco do município mapeadas e caracterizadas. Um dos fatores que chamam a atenção é a extensa área do Taquaral presente na mancha vermelha, em que é considerado de alto risco, ou seja, deveria ser inabitável.


Mapa do aplicativo da Defesa Civil de Ouro Preto para as áreas de risco. A região em vermelho, de maior perigo, corresponde a uma parte do bairro Taquaral | Foto: Defesa Civil de Ouro preto.

#PraTodosVerem: Imagem de satélite do bairro Taquaral. Na foto é possível visualizar a parte de cima de muitas casas do bairro, incluindo ruas e uma extensa área verde, composta por muitas árvores. Há uma área do bairro contornada de vermelho e algumas residências específicas em laranja, os destaques por  cores representam as regiões de risco do Taquaral.


Vidas Removidas


E é justamente essa condição estrutural  somada à ausência de uma proposta municipal e definitiva para os moradores, que impacta em uma questão além da moradia propriamente dita: o valor afetivo em relação ao lugar. Isso porque o bairro é composto majoritariamente por moradores antigos, que cresceram e formaram famílias ali.  


É o caso da dona Maria Angelina Siqueira, 77. Mãe de Wagner e também residente do bairro desde 1983, ela conta que tem muito apego à sua casa no Taquaral, uma vez que, além de ter vivido grande parte da vida ali, o lugar carrega lembranças boas da criação dos filhos e do marido, falecido em 2019. 


“É muito ruim ter que sair da minha casa. Eu trabalhava o dia inteiro na cidade, de 6h às 23h, pra chegar em casa e ajudar o meu marido a fazer as paredes da casa até 3h da manhã, carregando água na cabeça. É uma tristeza muito grande ver todo esse trabalho indo por água abaixo.”, conta a aposentada. 

Antes da mudança, a vida de dona Maria era muito diferente, já que Wagner e Viviane, dois de seus cinco filhos, moravam com suas respectivas crianças na mesma rua que ela. Então, a casa estava sempre cheia e alegre.


Agora, dona Maria Angelina, que era acostumada com a presença dos filhos, mora em um bairro distante, e sente-se muito sozinha sem a companhia da família. “Eu faço almoço em panelinhas, já que é só para mim, e aí sempre sobra para o dia seguinte. Por isso, minha felicidade é quando meus netos vêm me visitar, porque aí faço panelas grandes e como direito”.


A mãe dos netos a que dona Maria Angelina se refere, Viviane Aparecida Siqueira, 37, sua outra filha, também aponta a familiaridade como uma de suas principais perdas:


“Eu preferia voltar para minha casa do que receber 1 milhão nela. Foi lá que eu nasci, cresci e tenho minhas memórias. A casa que eu moro hoje é de aluguel, eu pago 1500 reais, e é uma casa boa, mas eu não me sinto bem lá… é uma rua movimentada e eu não conheço ninguém. Meus filhos, na antiga casa, brincavam na rua e, hoje, não saem nem na porta. No Taquaral, eles tinham mais liberdade… todo mundo conhecia todo mundo, era seguro”.

Viviane também enfatiza como foi muito impactada psicologicamente por toda essa situação. A motorista de uber conta que os remédios psiquiátricos são essenciais para o seu bem-estar, uma vez que, em razão de todo o estresse, desenvolveu duas doenças autoimunes relacionadas ao estado mental, síndrome de sjogren e líquen plano - enfermidade que deixa os lábios manchados - e fibromialgia. Ela diz que, diante dos traumas, o tratamento psiquiátrico é imprescindível, mas em contrapartida, torna-se mais uma preocupação, já que os custos das medicações são bastante elevados. 


“Todo mês, eu gasto por volta de 600 reais em remédios… esse foi mais um gasto adicionado às consequências de termos saído de casa. Além do aluguel e do carro novo que tive que financiar para poder trabalhar de uber e ajudar nas despesas, tenho que custear meus tratamentos”, conta Viviane. 


Vidas em risco


Em contraste, há uma outra parte da população do Taquaral que não tem outra opção a não ser continuar no bairro, mesmo que em situação de perigo. É o caso de dona Orlanda Fabiana, 60, que, em 2022, viu parte de seu terreno - onde cultivava bananas, limões e mandiocas - desabar. Além disso, ela conta que teve o banheiro e a cozinha de sua casa danificados. “Esses dias eu tive que remendar o banheiro, porque, por causa das chuvas, uma parte arredou e infiltrou, aí ele foi abrindo lacunas e tive que colocar massas para segurar”, afirma a aposentada. 


Parte do banheiro de Dona Orlanda trincou com as chuvas. É possível ver um desnível no piso. Foto | Maria Clara Soares

#PraTodosVerem: A imagem mostra a parte interna do box de um banheiro. O chão e as paredes possuem piso. Na foto, há uma parte de cimento em que Dona Orlanda, aos 60 anos, teve que remendar trincas no chão provocadas pelo impacto das chuvas.


A rua onde dona Orlanda e sua família moram também sofre com sérios problemas de infiltração, que, consequentemente, fazem com que a água passe por debaixo dos imóveis. Ela conta que teve que se mudar de sua antiga residência, que fica ao lado da atual, por conta desse problema. 


“Eles estão tentando tirar uma água que estava descendo e passando aqui na minha casa, porque eles acham que foi ela que trincou a casa. O buraco está aberto há umas três semanas, mas surgiu uma obra no Alto da Cruz, eles foram para lá e parou aqui. Veio um chuvão e desceu muita água, passou debaixo da casa da minha filha, aí ela teve que vir para aqui. Ligamos lá ontem e, graças a Deus, eles apareceram hoje, acho que vão tapar o buraco. Não adianta acelerar um lugar e prejudicar o outro.”

Obra realizada pela prefeitura de Ouro Preto para a melhora do sistema de manilhas da rua em que reside Dona Orlanda | Foto: André Carvalho.

#PraTodosVerem: A imagem é de uma obra sendo realizada no meio da rua. Na foto, há um grande buraco aberto no meio da rua e um homem está dentro dele, fazendo reparos. O homem veste calça preta e camiseta verde. Ele está de boné branco,  segurando uma ferramenta. Outras ferramentas de construção são visíveis, incluindo um carrinho de mão. Ao fundo, há uma rua com algumas casas e uma área verde composta pela vegetação.


Além disso, dona Orlanda relata que se sente amedrontada com toda essa instabilidade. "Eu fico com medo, quando vem essa chuva forte, eu nem durmo e evito ir na parte que já é trincada, que é ali na cozinha e no banheiro, aí fico mais para o lado do quarto.”


Ela ainda explica que não ter condições financeiras para pagar a diferença, entre o valor inteiro do aluguel e os R$700 do auxílio moradia que a prefeitura disponibiliza, é um dos motivos que a impede de se retirar da casa, como orientou a defesa civil.“Dessa última vez, queriam me tirar daqui, mas eu não quis sair. Porque eu não tenho condições de completar o aluguel, mas se dessem uma casa segura para mim, eu iria com certeza. Ficar mais tranquila, né, aqui eu sei que tem perigo, não só aqui como no bairro todo.”, afirma a moradora.


Como muitos moradores, dona Orlanda foi impedida de prosseguir com seus sonhos em relação a sua morada. Mãe de 4 filhos, avó de 7 netos e bisavó de 2 bisnetos, ela tinha o desejo de aumentar os cômodos de sua residência, para receber bem a família e deixar mais confortável a casa que está sempre cheia e movimentada. Mas, devido aos deslizamentos causados pelas chuvas, a obra foi impedida pela defesa civil. 



Dona Orlanda na área externa de sua casa, que planejava expandir. A obra foi interrompida por causa da área de risco | Foto: André Carvalho

#PraTodosVerem: A foto mostra uma senhora com o semblante sério na área externa de uma casa. Na imagem, é possível ver parte da estrutura do imóvel. Há duas toalhas estendidas em um varal. Ao fundo, aparece uma bicicleta, algumas ferramentas de construção e uma pequena parte da horta da moradora.


Enquanto alguns foram impedidos, outros viram nas obras a única saída para continuar no Taquaral. É o caso do seu Raimundo Inêz de Paula, 68, vigia da Universidade Federal de Ouro Preto, como ele mesmo se apresenta. Nascido em Piranga (MG), mudou-se para o Taquaral há mais de 15 anos para ficar perto de sua mãe e de seus irmãos que moravam ali. Em 2022, foi retirado de sua casa por 4 meses e entrou no sistema de aluguel social.


Depois desse período, seu Raimundo e sua família foram liberados para voltar, mas, ainda assim, ele não se sentia seguro. “Eu trabalho à noite de vigia na UFOP, quando olho para essa região e vejo o céu nublado, eu fico muito preocupado… O corpo fica no serviço, e a alma aqui… pensando na minha mulher e no meu filho.”, conta o senhor, com os olhos marejados.


Então, seu Raimundo teve a ideia de fazer algumas adaptações na casa, que permitiriam um ganho de tempo de fuga caso fossem atingidos pelos deslizamentos dos barrancos. Essas adaptações são visíveis desde a parte externa da residência, onde há uma placa de metal na lateral, que serve como reforço da parede. Além disso, na parte interna, há um sistema em que, do quarto do casal, é possível puxar uma alavanca que abre uma pequena cancela no primeiro andar da casa, para que, se houver uma enchente, a água encontre vazão para fora. 


Não satisfeito, seu Raimundo ainda abriu, no piso mais alto de sua casa, uma janela que permite acompanhar a situação do barranco. E criou uma saída de emergência pelo outro lado da casa, que, em último caso, permite que ele e sua família saiam pelo 4° andar do imóvel. “Eu trabalho com segurança, é mais que minha obrigação pensar na segurança da minha casa também, assim, caso aconteça alguma coisa, dá tempo pelo menos da gente correr”, afirma o vigia.


Seu Raimundo segurando a estrutura criada por ele para escoamento da água, na tentativa de proteger sua família em caso de enchente | Foto: André Carvalho

#PraTodosVerem: A imagem mostra um senhor em um cômodo de sua casa. Ele segura um ferro, criado como estrutura de segurança para escoamento de água. Na foto, há também uma cama de casal, uma prateleira com alguns utensílios e dois portais de saída do quarto, em extremidades diferentes. O homem usa chinelos e está vestido com camiseta e calça. Ele está sério.



Janela construída por Seu Raimundo especificamente  para monitorar o barranco que fica na lateral de sua casa e está na área de risco |  Foto: André Carvalho

#PraTodosVerem: Um homem em frente a uma janela no bairro Taquaral. Há a presença do sol diretamente na janela e ao fundo há uma área verde, de um barranco. Ele veste uma camiseta branca. 


À espera de um plano 


Diante de tantas urgências, de vidas efetivamente em risco, da perda do cotidiano e dos modos de vida, a demora de uma solução vinda dos órgãos municipais competentes só reforça a lentidão e inoperância do poder público em relação à comunidade do bairro. Pedro, gerente de habitação da secretaria de Desenvolvimento urbano e habitação, afirma que houve uma longa discussão na prefeitura de Ouro Preto sobre como seria feita a gestão das crises provocadas pelas chuvas. A decisão foi de que seria aberta uma Regularização Fundiária Urbana (REURB) no Taquaral. Jackslaine de Souza Câmara, diretora de Regularização Fundiária e Reassentamentos da prefeitura, explica que a  REURB consiste em um conjunto de medidas para a regularização de núcleos urbanos informais, que são as regiões formadas sem a infraestrutura mínima necessária para habitação.


“A gente pegou todo o bairro Taquaral e as áreas de risco limítrofes ao bairro. Contratamos o geólogo Frederico Sobreira para dar um laudo de quem poderia ou não ficar nessas casas. Ele fez um laudo individual de cada família, chegando a um número aproximado de 40 a 50 famílias”, afirma o gerente de habitação.

O geólogo em questão, Frederico Sobreira, 65, relata que o estudo tem sido realizado em três etapas, sendo que duas delas já foram concluídas. A primeira, consistia no mapeamento geotécnico da região e na avaliação da suscetibilidade a deslizamentos e processos geológicos, enquanto a segunda, na avaliação da aptidão dos terrenos para ocupações urbanas.


“Eu tô na terceira fase, que agora é percorrer todas as casas e fazer o laudo específico para cada uma: verde, vermelho e amarelo. Esta etapa pretendo finalizar em fevereiro no máximo. Depois, há uma etapa mais prolongada, são discussões com arquitetos e urbanistas sobre a infraestrutura urbana, mas isso depende também da agilidade da prefeitura e do andamento do processo”, afirma o professor de geologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

O estudo do Sobreira faz parte de um plano da secretaria de desenvolvimento urbano para analisar individualmente as famílias que poderão ser afetadas pelos riscos do bairro e, então, serem desapropriadas. A partir do território já demarcado como área de rastejo e por meio das atualizações dos laudos, é feita a desapropriação das casas, negociando com os moradores. Sendo assim, mesmo que o período chuvoso não tenha sido iniciado, as desapropriações permanecem sendo encaminhadas.


No caso dos imóveis que precisam ser desapropriados, há uma negociação entre a prefeitura de Ouro Preto e os moradores do Taquaral, que precisam escolher entre receber uma casa popular ou uma indenização pelo imóvel. No entanto, em alguns casos, como na Rua Prefeito João Goulart, onde grande parte dos moradores tiveram que sair de suas casas, os moradores afirmam que o valor ofertado pelos imóveis é inferior ao que eles investiram ao longo dos anos nas construções.


Sobre essa questão, Pedro esclarece: “vamos pensar as diversas formas de tentar absorver todas essas famílias, seja na política habitacional, seja por meio de indenização, enfim, é um leque de possibilidades que a gente tem. Não é uma coisa simples, como é um número grande de famílias, não é uma coisa que a gente consegue ter orçamento para isso e tomar uma decisão fácil.”. Segundo ele, o ideal seria que as famílias saíssem e fossem para os conjuntos habitacionais que estão sendo construídos. Nos casos em que as famílias escolhem pelas indenizações, a prefeitura usa como referência os valores do programa “Minha Casa, Minha Vida”, que coloca como teto nacional o valor de R$170 mil. Para as construções avaliadas acima desse limite, há uma discussão com a procuradoria sobre quanto a prefeitura pode assumir em um acordo não judicializado. “Se for um valor muito exorbitante, judicializa, que aí quem vai arbitrar é a justiça”, comenta o gerente de habitação. 


Ainda completa que: "A nossa lógica é tentar entrar em um acordo não muito longe desses 170 mil para as casas que são avaliadas acima desse valor. Porque, se eu pago 3 vezes esse valor em uma casa, eu deixo de atender outras 2 famílias que também precisam."


Em 2022, a prefeitura de Ouro Preto negociou um empréstimo com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), no valor de 16 milhões de reais, para o enfrentamento da crise provocada pelas chuvas no Taquaral. Uma lei foi criada no município para autorizar o acesso a esse subsídio. Mas a prefeitura não recebeu o empréstimo por não possuir os documentos contábeis de análise de crédito necessários a tempo da captação desse recurso. Pedro diz que, embora não tenha sido possível avançar administrativamente, isso não altera o planejamento e a possibilidade de execução do município. 


Os problemas que não são de agora


Segundo os moradores, a necessidade de remoção atual de muitas famílias é consequência de erros do passado. Parte da indignação de Roberta e Wagner, por exemplo, se dá em razão de terem recebido um título de posse do terreno em 2008. O documento foi assinado por Ângelo Oswaldo, prefeito à época. Por uma coincidência, ou não, 14 anos depois, Ângelo estaria à frente do executivo municipal no momento em que eles tiveram que deixar a casa por conta dos riscos no Taquaral.


De acordo com Jackslaine de Souza Câmara, o produto principal da Regularização Fundiária é a titulação dos ocupantes por meio do título de propriedade. 


No entanto, em situações como a de Roberta, o documento foi concedido antes mesmo da regularização do território.

“É muito injusto que o prefeito tenha assinado o documento de posse de um terreno condenado. Por isso construímos em área de risco. Agora, eles nos dão um auxílio de R$700 para moradia, e todo mundo sabe que em Ouro Preto não se acha aluguel nesse valor.”, afirma a costureira.

Título de posse do terreno no Taquaral, concedido para Roberta e Wagner | Foto: Wanessa Sousa

#PraTodosVerem: Na imagem, há um papel intitulado “Decreto de Legitimação de Posse de Terreno” escrito digitalmente e assinado à mão pelo prefeito de Ouro Preto no ano de 2008. Um ano depois, imaginando ser seguro pelo fato do prefeito ter dado um título de posse, Roberta e Wagner iniciaram a construção da casa.


Entramos em contato com a assessoria do prefeito Ângelo Oswaldo para buscar esclarecimentos acerca da situação no Taquaral, mas, até a publicação desta reportagem, não recebemos retorno quanto a possibilidade de agenda com o líder do executivo. 


FOTO 1: Região do bairro Taquaral em que uma casa desmoronou com as chuvas e a outra foi demolida posteriormente Vão com pedaços de concreto, areia e terra ao lado esquerdo da casa azul. Uma estava ao lado da outra. Foto: Drone/ Luccas Reginaldo

#PraTodosVerem: Foto, vista de cima, de uma parte do bairro Taquaral. Na imagem, há uma paisagem verde predominante e, entre a vegetação, algumas casas do bairro. Em um vão nas cores marrom e branco, há pedaços de concreto, areia e terra - local onde duas casas foram derrubadas. 

FOTO 2: Escombros de uma casa que foi demolida por estar na área de risco Foto: Júlia Péret

#PraTodosVerem: A imagem mostra escombros de uma casa que foi demolida, há um amontoado de terra com objetos, como canos e pedras expostas - nas cores marrom e cinza, predominantes na foto - , que indicam a presença de uma antiga construção ali. Ao fundo, no final da rua, há uma casa e alguns fios de poste de iluminação.

FOTO 3: Casa condenada por estar na área de risco e ao lado dos escombros da  que desmoronou por causa da chuva . Foto: Júlia Péret

#PraTodosVerem: A imagem mostra uma casa condenada por risco de desmoronamento. Ela se localiza ao lado de um terreno vazio com escombros de outra casa que desmoronou. Há um predomínio de cores marrom e cinza, embaixo de um céu azul claro com poucas nuvens. A casa possui tijolos à vista e diferentes materiais em sua lateral.  É possível ver ruínas e pequenos objetos da residência desmoronada. No portão da frente da casa, há a palavra “SUS”. 

FOTO 4: Raimundo e sua esposa, Rosângela do Rosário. Essa foto foi tirada no primeiro andar da casa, em frente à cancela que se abre para a água sair em caso de enchente, sistema criado por seu Raimundo. Foto: Maria Clara

#PraTodosVerem: A imagem mostra um casal abraçado composto, de pele negra, por um homem e uma mulher, seu Raimundo e dona Rosângela. Ele veste camisa de botão cinza e ela uma camiseta de manga curta branca, com estampa de bolinhas pretas. Os dois olham para a foto com o semblante sorridente, estão em casa. 

FOTO 5: Carro encontrando dificuldades para passar sobre a extensa rachadura, causada pelas fortes chuvas em uma das entradas do  bairro Taquaral. Foto: André Carvalho

#PraTodosVerem: A imagem mostra uma rua, com uma grande rachadura cortando o asfalto. Um carro vermelho está passando pela rua e o carro está em desnível por conta da rachadura no asfalto. Na lateral direita, é possível ver uma pequena parte da calçada e vegetação. Ainda ao fundo, é possível ver uma pessoa parada e outras casas construídas. Na lateral esquerda há parte da fachada de duas casas.

FOTO 6: Roberta guarda todos os laudos feitos pela defesa civil, mapas dos estudos feitos na região do Taquaral onde está sua residência e receitas médicas datadas desde 2012, a fim de comprovar os danos causados pela situação no bairro. Foto: Wanessa Sousa #PraTodosVerem: A foto mostra papéis sobre uma mesa de madeira, entre eles um mapa de parte do Taquaral, ocupando quase toda a fotografia; duas receitas médicas; laudos da defesa civil e um documento de título de posse. Os documentos estão sobre um piso marrom. 


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