top of page

Portal da Transparência de Mariana não é claro sobre uso dos recursos da CFEM

Atualizado: 9 de ago. de 2023

O site de Mariana não permite saber, de forma clara, como os recursos da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), repassados pela Agência Nacional de Mineração, foram destinados ao município

Área de mineração | Foto • Banco de imagens

Ana Júlia Amorim e Tatiane Análio


De acordo com o Portal da Transparência de Mariana (MG), a Prefeitura recebeu, no ano de 2020, um total de R$ 63.080.963,50 em recursos provenientes da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Em 2021, o valor total recebido foi de R$ 98.576.267,43. O levantamento é do projeto “De Olho na CFEM”, desenvolvido pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração com o apoio do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), do grupo de pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), em parceria com a Rede Justiça nos Trilhos, do Maranhão, e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).


Apesar dos pesquisadores conseguirem acessar informações sobre o montante geral de recursos provenientes da CFEM recebidos pela Prefeitura de Mariana, o portal da cidade não permite saber a destinação final do dinheiro, ou seja, em quais ações e projetos foram aplicados.


O principal meio para obter informações sobre esses dados, o Portal da Transparência, é pouco amigável e não ajuda a identificar, de maneira acessível, o destino final da CFEM no município. A falta de transparência vai de encontro à Lei da Transparência - LC 131/2009 - criada para divulgar, em tempo real, a receita e as despesas de toda entidade pública, com o prazo máximo de 24 horas, disponível em um site na internet.


A Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) é um valor pago pelas empresas mineradoras aos estados e municípios por explorarem os bens da União, como os minerais. Os recursos da CFEM são pagos para a Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão regulador federal, sendo que distintos tipos de minérios resultam em diferentes taxas. Esta compensação é, então, dividida entre União, estados e municípios.


As cidades mineradas recebem 60% deste valor, o que é o caso de Mariana. A partir da Lei 13.540, de 2017, as cidades impactadas pela mineração, que possuem no seu território uma ferrovia, um mineroduto, uma barragem ou outra infraestrutura associada à mineração também passaram a receber uma parcela da CFEM.


Finalidade

O objetivo principal da CFEM é diminuir a dependência da mineração, criando um fundo para manter as atividades econômicas da região após o esgotamento das reservas ou para períodos de crise. O minério é um recurso não renovável, ou seja, acabará um dia. Além disso, seu preço é bastante volátil e isso significa que variações bruscas nos preços impactam diretamente no recolhimento da CFEM e demais tributos, podendo comprometer a qualidade dos serviços públicos sob responsabilidade das prefeituras.


O professor e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora, Bruno Milanez, é engenheiro de Produção, doutor em Política Ambiental e coordenador do grupo de pesquisa PoEMAS. Milanez alerta para a importância de “destrinchar os dados e investigar as ações da prefeitura” com relação à utilização da Compensação.


Isso porque, segundo ele, “usar os recursos da CFEM para custeio da máquina pública é um erro que algumas gestões cometem, pois esse dinheiro não pertence aos prefeitos e gestores”. Milanez lembra que a extração do minério pode acabar em poucos anos. Portanto, frisou que “é preciso realizar planejamentos que tornem os recursos da CFEM uma renda a longo prazo para os municípios que são explorados pelas empresas mineradoras”.


De Olho na CFEM

Um levantamento realizado pelo projeto "De Olho na CFEM" indica que o Brasil ainda não fiscaliza com rigor as atividades de mineração, especificamente as que geram os recursos da CFEM. De acordo com o professor Bruno Milanez, a criação deste projeto resulta da necessidade de discutir o papel da mineração no processo de desenvolvimento da condição de vida da população local.


O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios começou a avaliar a situação de algumas cidades mineradas pelo país, em relação à aplicação dos recursos da CFEM, porém, o projeto não conseguiu alcançar o seu objetivo no município de Mariana. Milanez explicou que os dados sobre o orçamento público municipal informam sobre receitas e despesas e são organizados em hierarquias, começando pela “função”, que diz respeito ao setor de destinação do recurso, passando pelas “subfunções”, “programas” e “ações”.


De acordo com a organização do projeto “De Olho na CFEM”, o Portal da Transparência de Mariana só permite associar as fontes (de onde vem o dinheiro) às despesas no nível de “subfunção”, ou seja, não possibilita saber, com o detalhamento necessário, onde foram empregados esses recursos.


O professor fala sobre a dificuldade de encontrar os programas e ações contemplados pelos recursos da CFEM em Mariana, o que foi possível em outras cidades como Conceição do Mato Dentro (MG), Parauapebas (PA) e Alto Horizonte (GO). O grupo reitera a importância de interpretar e disponibilizar os dados de modo acessível para a sociedade. Para isso, Bruno explica que deve haver diálogo com a comunidade local a fim de entender as prioridades e escolhas políticas de cada gestão com relação à aplicação dos recursos provenientes da Compensação Financeira pela Exploração Mineral.


Segundo o Portal da Transparência de Mariana, a CFEM representou cerca de 13,95 % do orçamento total de Mariana em 2020 e 20,40% do orçamento total em 2021. Um dinheiro que, se bem utilizado pelo município, auxilia no controle da economia local.



Gastos com a CFEM em 2020



No ano de 2020, segundo o Portal da Transparência, a Prefeitura de Mariana recebeu R$ 63.080.963,50 de recursos provenientes da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Desse total, R$ 25.833.187,75 foram repassados para o setor de Urbanismo, nos segmentos de infraestrutura urbana e serviços urbanos. Este valor representa 40,95% de todo o dinheiro enviado pela CFEM em 2020. Para o professor Bruno Milanez, como não há dados sobre os programas e ações, é difícil saber qual foi o destino final desses recursos. Mas, de acordo com o que observou em outros municípios, provavelmente uma parte desse investimento foi destinado a asfalto ou reformas de prédios públicos.


Um total de R$ 12.853.685,81 foram destinados para a administração, nas subfunções de administração geral e tecnologia da informatização, o que significa um alto valor usado para custeio da máquina pública. Para a Saúde Total, a Prefeitura de Mariana distribuiu R$ 4.334.112,90, sem dizer para qual subfunção do setor iria o dinheiro. A área de Administração corresponde a 20,38% de todo o recurso proveniente da CFEM e a Saúde, 6,87%. Todos esses setores, juntos, receberam 68,10% do total de recursos da CFEM em 2020.


O projeto “De Olho na CFEM” também buscou entender os gastos com a Educação. Em 2020, R$ 2.819.018,11 foi o valor repassado da Compensação para esta área. De acordo com Bruno, é preciso entender quais foram os motivos para que, em 2020, um grande setor, como a Educação, fizesse parte de somente 4,46% de um total de R$ 63.080.963,50 enviados pela CFEM ao município de Mariana



Gastos com a CFEM em 2021



Em 2021, o município recebeu mais recursos da CFEM se comparados a 2020. De acordo com o Portal da Transparência municipal, um total de R$ 98.576.267,43 foi o valor repassado para a cidade de Mariana. Desta vez, o dinheiro foi direcionado de outra forma pela Prefeitura. Deste total, o setor de Educação recebeu R$ 45.781.159,98, nas subfunções de ensino fundamental, ensino médio e educação infantil. Em comparação ao que a Educação recebeu em 2020, o valor repassado no ano de 2021 foi cerca de 16 vezes maior.


Nas outras duas maiores destinações de 2021 estão, novamente, os setores de Administração e Urbanismo. A Administração Total e as subfunções de administração geral, de receitas e tecnologia da informatização somaram R$ 27.284.696,25. Já a área de Urbanismo recebeu R$ 19.423.079,76,. Juntos, Educação, Administração e Urbanismo representaram 93,82% do dinheiro total recebido em 2021 da CFEM.


O Transporte aparece, em 2021, como um setor em que a Prefeitura destinou muitos recursos da CFEM. O professor Bruno Milanez chama atenção para um gasto expressivo com transporte em um ano de pandemia da Covid-19, e, portanto, de isolamento social. O valor total destinado ao setor de Transporte foi de R$ 7.820.412,90 e isso significou 7,93% dos R$ 98.576.267,43 totais recebidos da CFEM naquele ano.


Há destaque, ainda no ano de 2021, para as áreas que menos receberam recursos provenientes da CFEM. Gestão Ambiental, Desporto e Lazer e Segurança Pública, nesta ordem, somam apenas 1,93% do total em recursos que a Prefeitura de Mariana destinou. A Gestão Ambiental, na subfunção de controle ambiental, recebeu um total de R$ 878.982,70; Desporto e Lazer, com a subfunção de desporto comunitário, recebeu R$ 292,286,10; e a Segurança Pública, na subfunção de informação e inteligência, apenas R$ 205.133,50.


A equipe do “De Olho na CFEM” também chama atenção para a área de Agricultura no município. Em 2021, este setor recebeu pouco mais de R$ 1 milhão em recursos da CFEM, mais precisamente, R$ 1.035.959,23. De acordo com Milanez, pensando no dano econômico que a falta do minério poderia causar para a população local, se o dinheiro proveniente da CFEM for destinado a ações no setor da Agricultura, em programas como o de agricultura familiar, a Prefeitura de Mariana estaria fazendo bom uso desse recurso.


O Lampião Digital e o “De Olho na CFEM” identificaram que tanto em 2020 quanto em 2021 o setor de Turismo não foi contemplado com os recursos da CFEM. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais foi o segundo estado que registrou o maior crescimento no Índice de Atividades Turísticas. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) apontou que, em 2021, o setor de turismo cresceu 45,2% no primeiro semestre, ficando acima da média nacional, que foi de 25,9%. Bruno Milanez lembrou a importância do turismo em cidades como Mariana, que possui potencial para o desenvolvimento turístico, e também não compreendeu porque o município não destinou recursos para esta área.


O que diz a Prefeitura de Mariana


O Lampião Digital buscou, via Portal da Transparência, acesso às informações sobre destinação dos recursos da CFEM em relação a programas e ações em Mariana. Porém, o site não fornece este tipo de dado. Além disso, a reportagem teve dificuldade para solicitar as informações por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), uma vez que o site da Prefeitura só disponibiliza essa função por meio de um ícone (que não identifica tratar-se da LAI), no canto inferior esquerdo da página.


A assessoria de comunicação da Prefeitura também foi procurada para esclarecimentos - via e-mail, número de whatsapp e pessoalmente, - porém, não obtivemos resposta. Nas tentativas de contato, o Lampião Digital fez perguntas sobre os maiores e menores gastos com a CFEM em 2020, e quais foram os critérios de prioridade da administração. Também em relação aos maiores e menores investimentos no ano de 2021. No entanto, não obtivemos resposta para nenhum dos questionamentos.


Ainda sobre a destinação final dos recursos, em relação aos programas e ações, o Lampião Digital falou com o contador da Prefeitura Juvenil Cassiano dos Santos. Inicialmente, ele disse que todos os dados estavam disponíveis no Portal da Transparência de Mariana. Após solicitarmos que nos mostrasse onde essas informações se localizavam no portal, o próprio contador não as localizou. Em seguida, recuou e justificou dizendo que o site estava desatualizado. Entretanto, admitiu que informações sobre o destino final dos recursos da CFEM, aplicados em programas e ações, em Mariana, estavam armazenados em um sistema interno da Prefeitura. Ao questionarmos se essa decisão dificulta o acesso da população leiga aos gastos, não obtivemos resposta.








bottom of page